Scenas da Roa (Portuguese)
By Antnio Corra
AO MEU LIVRO
Vae, filho, j tens idade,
j ficaste emancipado;
precisas correr o mundo,
saber de tudo um bocado.
Vae, filho, mas s prudente,
ouve os conselhos de gente
que puder te aconselhar;
s modesto e delicado...
em fallar pouco e acertado
ha sempre muito a ganhar.
Se alguma gloria colheres,
no te ufanes sem razo:
s vezes ouve-se um tolo
por mra contemplao.
Escuta os indifferentes.
Os amigos e os parentes
no dizem toda a verdade.
Agora, no teu caminho,
no te basta o meu carinho
nem toda a minha amizade.
Se ouvires phrases sensatas,
presta-lhes toda a atteno;
a tolos no ds ouvidos
nem provoques discusso.
Respeita as crenas alheias;
mas guarda as tuas idas
e corrige os teus defeitos.
Na escola da sociedade,
estuda, aprende a verdade
nas phrases de seus eleitos.
Vae, filho, Deus te acompanhe.
Das letras no vasto mundo
bem poucos biam tna,
grande parte vai ao fundo.
Ai! neste momento extremo
por ti, filho, que eu tremo!
attende aos conselhos meus...
J so horas da partida;
comtigo vae minha vida,
mas parte... vae... filho, adeus.
CANTO PRIMEIRO
I
Ha quem diga que a franceza
a mulher por excellencia;
mil outros do preferencia
aos requebros da hespanhola:
dizem que ella prende e mata
quando a melena desata
e no fandango arrebata
ao trinar da castanhola.
As bellas filhas da Italia
tem milhes de adoradores,
l na patria dos amores
quem d leis o corao.
tudo vida, alegria,
feixes de luz, de harmonia,
ondula em torno a poesia
nesse mar da inspirao.
Eu acho a todas bonitas
quando de veras o so,
quer sejam do Indosto,
d'Allemanha, Italia ou Frana;
mas p'ra mim a brazileira
d'entre todas a primeira:
gentil, feiticeira
como um sorrir de creana.
As outras guardam comsigo
da velha Europa a imponencia;
estas no, tem a innocencia,
tem o perfume das flres;
captivam pelos encantos
ingenuos puros e santos,
e so, meu Deus, taes e tantos,
que fazem morrer de amores!
Quem pde escutar-lhe as fallas
quando a tremer de receio,
baixando os olhos no enleio
em que a prende o corao,
ella diz corando e rindo:
Do meu ceu de amor inflado,
tu s o astro mais lindo
da maior constellao!?
Quem pde conter no peito
o travesso corao?
quem no sujeita a razo
ao dominio dessas fallas?
quem no se abraza nos lumes
da mulher que tem perfumes,
de que as rosas tem ciumes
se vo se encontrar nas salas?
..............................
II
Meu leitor, deixa a cidade e vem comigo
que eu quero te mostrar um quadro bello;
vem roa onde o amor mais sublime,
e tudo quanto grande mais singelo.
Eu prefiro s harmonias de uma orchestra,
aos encantos que doudejam nos sales,
a cantiga do tropeiro descuidoso,
ou as trovas amorosas dos sertes.
Ha naquelles improvisos mal rimados,
e naquella inspirao de cada instante,
a belleza original que parte d'alma
sem arte, mas com fogo delirante.
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III
Elle era um moo bonito
como na crte no ha,
tinha os olhos e os cabellos
da cr do jacarand.
Um porte airoso, engraado,
rapago desempenado
de metter inveja a cem!
se na estrada elle passava,
a moa que o espiava
lhe ficava querendo bem.
Mas elle guardava firme
no fundo do corao
pela bella Margarida
a mais ardente paixo.
E as moas da visinhana
ao verem sua esquivana
s festas, se ella no ia,
diziam de enciumadas:
--Pedro est de azas quebradas;
pobre moo! quem diria?!
--E tem s vinte e tres annos
e alguma cousa de seu!
vejam s o que fortuna;
to feliz nunca fui eu!
--E dizem que casa breve?
--Eu no sei, mas elle deve
casar-se p'ra o fim do anno.
--Que lhe faa bom proveito...
--E o velho est satisfeito?
--Pudera no! bem ufano!
Tal eram os commentarios
que em toda a parte faziam
as moas da visinhana,
que em festas se reuniam;
mas elle, surdo aos rumores
que faziam seus amores
nas discusses femenis,
nada via alm do encanto
d'aquelle amor puro e santo,
d'aquelles olhos gentis.
Mas quem era a linda moa
a quem Pedro tanto amava?
quem era a virgem formosa
que elle assim idolatrava?
era rica ou pobresinha?
tinha-lhe amor ou no tinha?
No o que queres saber?
l vamos, leitor querido,
satisfazer teu pedido,
j tudo vamos dizer.
IV
Ella tinha quinze annos; era um anjo
de graa, candidez e de bondade,
e aquelle corao de meiga pomba
amava como se ama nessa idade.
A todos occultava aquelle affecto
que su'alma marchetava de illuses;
dos sonhos cr de rosa que ella tinha
quem pode descrever as emoes?
De manh apoz a prece fervorosa,
fictados nos do Christo os olhos bellos,
regava o seu canteiro, e de violetas
um raminho prendia entre os cabellos.
Tomava o seu balaio de costura,
tirava linha, agulhas e dedal,
e sentava-se a coser o dia inteiro
sombra da mangueira do quintal.
s vezes descuidando seu trabalho,
parada co'o olhar ficto na estrada,
no mar da phantasia, como um cysne,
boiava da corrente flr levada.
V
Tal era a mimosa filha
do velho Simo da Cruz;
de sua velhice o arrimo,
alegria, vida e luz.
Revia no rosto della
a companheira extremosa,
que lhe deixara, murchando,
o rebento de outra rosa.
Vio-a crescer sob os olhos;
estudou-lhe o corao,
e lia nelle os mysterios
d'aquella ardente paixo.
Um dia toma-lhe o brao,
fal-a sentar a seu lado,
e diz-lhe rindo o bom velho:
J tens algum namorado?
Enrubece, treme, ensaia
dizer uma phrase, em vo!
repete o velho a pergunta,
e ella responde --No...
--No mintas, filha! no sabes
que um peccado mentir?
--Perdo meu pai!--No perdo
a quem me busca illudir.
Dos bellos olhos da moa
o pranto desce a torrentes,
cujas bagas vo no seio
embeber-se encandescentes.
O velho, ameigando a falla,
apoz miral-a um instante,
lhe torna: --Vamos! no chores!
no Pedro o teu amante?
Bom rapaz! de meu gosto...
j fallou-te em casamento?
e tu disseste que sim,
sem o meu consentimento?!
Como os filhos so ingratos!
este mundo como vae!
quem de uma filha os segredos
guardar melhor que um pai?
Mas vamos l! estou por tudo;
disseste que sim? est dito!...
fizeste mal em negal-o;
isto assim no bonito.
No chores, d-me um abrao!
ser Pedro o teu marido;
justo, se o amas tanto...
se foi o teu preferido...
VI
Estamos em junho, no mez das fogueiras,
do riso, das festas, das sortes, do amor,
das cannas assadas, cars e batatas,
dos jogos de prendas, do fogo em redor.
Quem pde na roa ficar, preguioso,
dormindo na rde, sem ir ao pagode?
se as moas bonitas l esto feiticeiras
cantando e sorrindo, fugir-lhes quem pde?
VII
Na fazenda do Tymbira
era velha a devoo
de fazer-se grande festa
em dias de S. Joo.
O velho Joaquim Medeiros,
que era a flr dos fazendeiros
d'aquella localidade,
esfregava as mos contente
quando via em casa gente
a que o prendia a amizade.
D. Olympia, sua esposa;
mi dos pobres do logar,
tres dias antes da festa
no parava a trabalhar.
Mandava as suas mucamas
dos quartos fazer as camas,
espanar tudo e varrer,
e, doceira de bom gosto,
l estava firme no posto,
fazendo o tacho ferver.
Fazia doce de cco,
laranja, cidra, limo,
bom-bocado, arroz de leite,
bolinhos de S. Joo,
pamonha, cus-cus de milho,
manou, biju, sequilho,
biscoutinhos de araruta,
tarcos, baba-de-moa,
e, mil doces que na roa
se fazem de toda a fructa.
No terreiro da fazenda
preparava-se a fogueira,
e o mastro todo enfeitado
de folhagens de mangueira;
e dentre as folhas escuras
sahiam fructas maduras,
como o costume geral,
e uma boneca vistosa
de vestido cr de rosa,
fazia o tpe final.
No campo desde a porteira
de verde murta vestida,
duas linhas de coqueiros
vem a porta da saida.
De um lado a outro correndo,
dirigindo ou desfazendo
o que no estava direito,
andava o rei dos festeiros
o nosso velho Medeiros
sempre alegre e satisfeito.
--Vamos com isso, rapazes,
que temos mais que fazer
e d'aqui por uma hora
ninguem se pde mecher.
Joaquina e Manuela,
vocs vo l p'ra capella
capinar ali na frente.
Ol, moleque, vadio!
chega ali embaixo no rio,
v se vem alguma gente.
Vicente, traze as bandeiras,
vai tu com elle, Francisco;
Manuel, varre p'ra um canto
e apanha depois o cisco.
No quero ver uma palha!...
veja depois como espalha
essas folhas de mangueira!...
Job, pergunta sinh
se j tem caf por l,
que mande aqui na porteira.
VIII
Se eu soubesse descriptiva
dava aqui em perspectiva
a fazenda toda inteira!
tomava tinta e pincel
e sobre plano-painel
transportava... mas asneira...
Eu no pesco nem pitada
dessa insulsa trapalhada,
de linhas, pontos e traos;
mas tambem no me entristeo,
sciencia que aborreo,
cansa a cabea e os braos.
E na falta de sciencia,
eu peo condescendencia
p'ra o traado que vou dar;
obra de um curioso...
meu leitor, sei que s bondoso,
no o queiras censurar.
IX
O todo se emmuldura em matto virgem;
arbustos mil em flr do-lhe a fragancia,
e o fundo do painel verde-escuro
da cr de um cafesal visto distancia.
Por entre as pedras soltas de seu leito,
o rio serpenteia murmurando.
De um lado a horta, o engenho, alguns pomares,
do outro, os animaes que esto pastando.
Aqui o mandiocal n'um morro enorme,
naquelles direita, o cafesal;
ha uma socca de arroz junto do brejo
e da cerca p'ra l, o cannavial.
No centro, n'uma dobra do terreno,
a casa que voltada p'ra o nascente;
precede-lhe o jardim, primor de gosto
que a abraa pela esquerda e pela frente.
Ao fundo em duas ruas parallelas
a casa da farinha, a do feitor,
paies, estrebarias e senzallas,
o tanque, o gallinheiro, e corador.
Olhando p'ra direita v-se a escada
que tem de cada lado uma mangueira,
o campo e o caminho em linha recta,
que da casa vae parar junto porteira.
Concebe o quadro l como puderes!
eu dou-te aqui apenas um bosquejo,
querel-o completar fra loucura,
se bem que fosse grande o meu desejo.
L chega o rancho enorme e folgaso
que vem p'ra festejar o S. Joo.
De quatro leguas em roda,
toda aquella visinhana
veio assistir festana
da noite de S. Joo.
O povo da freguezia
quazi todo nesse dia,
ia como em romaria
pandegar por devoo.
Como uso admittido,
a pessa convidada
leva roupa preparada
para quatro ou cinco dias!...
l na roa a moda esta;
qualquer pagode, no presta
sem a semana de festa,
de interminveis folias!
Subindo e descendo morros,
n'um carro por bois puchado,
n'um tunel improvisado
de arcos e de uma esteira,
de uma fazenda visinha
a passo lento caminha
a familia que se aninha
n'essa amavel capoeira.
Atraz os negros da casa
To carregando os bahus,
sem camisa, quazi ns,
e alagados de suor;
ao lado caminha a passo,
n'um lindo macho picao,
o fazendeiro ricao
que vae morto de calor.
Os filhos vo a cavallo.
Na frente caminha o pagem,
que sem esse personagem
na roa no se ninguem!
um negro de confiana
em quem o Senhor descana,
que exerce desde criana
o cargo honroso que tem.
Usa jaqueta de vivos,
chapeo baixo de oleado,
topete bem penteado,
canos de bota e chilenas;
o mensageiro de amores
dos filhos de seus senhores;
leva cartinhas e flres
para entregar s pequenas.
O pagem da roa um typo
de serio e acurado estudo,
sabe um bocado de tudo
quanto se deve saber.
ferrador, selleiro,
carapina e corrieiro,
peo e no terreiro
requebra um fado a valer.
Aqui um rancho de moas
vae a p, moram to perto!...
so duas leguas, certo,
mas diz-se na roa:-- ali.
E por toda aquella estrada
v-se gente a p, montada,
e outra que j canada
bebe sombra paraty.
...................................
...................................
...................................
X
Terminou-se o jantar, noite escura;
com fachos de sap ligeiros correm
os moos dando vivas.
Accende-se a fogueira e em torno a ella
vo sentar-se alegres, descuidosos,
os grupos de convivas.
Aqui tomam garapa em lisas cuias,
os velhos, que disputam seriamente
cerca de eleies,
ou fallam do caf que est sem preo,
nos gastos da lavoura e poucos lucros
de suas transaces.
Ali as moas todas reunidas
dissertam sobre amor e namorados
com tal proficiencia,
como um lente, jubilado na materia,
derramando em qualquer academia
a luz da experiencia.
No longe os rapazes formam grupos:
uns so republicanos exaltados
e outros monarchistas;
e outros sem partido, olhando as moas,
a morrer de amor por ellas, contam rindo
amores e conquistas.
tudo animao, prazer e vida...
aqui um bello dito, ali vozes confusas,
gostosas gargalhadas;
estouram buscapes, rebentam bombas,
foguetes e bales erguem-se aos ares
no meio de apupadas.
XI
--Qual, compadre, desta feita
parece que os liberaes
no sobem, no, mas o mesmo...
que me diz, Sr. Moraes?
--Eu no sei, mas desconfio
que os homens no fazem nada;
pelo menos l na villa
tudo chapa cerrada.
--Aposto cem contra dez,
com quem quizer apostar,
em como os conservadores
ho de ceder o logar.
E o Brazil vae garra
se os liberaes no subirem;
que projectos, quanta cousa
se perde, se elles cahirem!
Estradas e mais estradas,
navegao pelos rios;
ho de fazer o diabo
porque empenharam seos brios.
--Ora adeus, em quanto a brios
os outros tambem os tem;
e ninguem lhes passa a perna,
porque fallam muito bem.
XII
Gringo, salta a fogueira!
Guillon, pula tambem!
assim, Norberto! um, dois, trez...
sim, senhor, foi muito bem!
_Seu_ Z Carlos, largue a moa!
no seja namorador!
j temos nova conquista?
vem p'ra aqui, seductor.
O Octvio l est n'um canto
a scismar _encalistrado_!
que tem elle?--Ora o que tem!
anda muito apaixonado:
Dizem que elle foi a um samba
e de l veio cahido...
mas espera, olha o Zamith
como est todo lambido!
E o Licurgo? oh que maroto!
desde que elle se casou
est com ar de homem serio,
ficou bonito, engordou!...
Tira os cars do rescaldo,
moleque, traz o melado!
oh ladro, anda ligeiro...
este sim, est bem assado
s da tropa fandanga!
ninguem mais aqui se metta!
Ezequiel, tu no comes?
ests forjando alguma pta?
XIII
--Pois creia, sinh Chica, foi olhado
botado na pequena com certeza;
Candca esteve assim, mas foi resal-a
a sogra do Manduca, a nh Thereza.
Foi l trez sextas-feiras, em seguida
benzeu e deu-lhe uns _pses_ p'ra tomar;
e hoje, benza-a Deus, est que um gosto!
s vendo que se pode acreditar!
--Pois olhe, p'ra fallar minha verdade,
j tinha me _alembrado_ ser feitio...
no podia seno ser cousa feita..
pelos modos que , s se foi isso.
A menina tem uns flatos pelas costas,
e anda jurur que mette pena!
coitada! tem tomado mil mesinhas
e nada de arribar; pobre pequena!
--Quem sabe, diz a tia Marcolina,
que entende destas cousas como gente,
quem sabe se a espinhela tem caida?!
se for isso, ponho-a boa de repente.
A lua agora nova... pouco importa,
na sexta-feira cedo mande-a l,
que com favor de Deus tenho esperana
que volta s e salva para c.
XIV
Eu no sei porque que em toda a festa
se encontra sempre um bbo, um toleiro,
dizendo muita asneira e se inculcando
rapaz de muita graa e sabicho!
festa de Medeiros foi um typo,
a quem debalde eu busco descrever;
deixra a crte onde era um _petit-maitre_
e roa foi levar todo o saber.
Fallava sempre em termos empollados,
mirava-se ao espelho a cada instante;
usava citaes em qualquer lingua,
e tinha o ar altivo do pedante.
Frisada a cabelleira e com pastinhas...
gravata verde-mar, o fraque azul,
as luvas cr de cinza, a cala branca,
sapatos de verniz; eis meu taful.
Desceu para o terreiro, olhou em torno
buscando achar um pobre a quem massar,
e eil-o dentro em breve n'uma roda,
com todo o seu furor a disputar.
--Perdo, dizia o typo enthusiasmado:
eu sou republicano, e como tal
exijo a liberdade a mais completa,
quer na ordem civil, quer na moral.
A lei um empecilho liberdade,
o que a dicta ou a impe um vil tyranno
os povos no precisam de governo,
o exemplo est no povo americano!
_To be or not to be_, eis como eu penso;
abaixo a realeza e o seu prestigio;
o rei a quem o mundo hoje se curva
escreve--Liberdade--em gorro phrigio!
Fallou e disse asneiras muito tempo
at que ficou s, sem mais ninguem!
--Camellos! disse elle em tom baixinho,
nem sabem de que ponto a luz lhes vem!
Mas vendo ao longe a bella Margarida,
exclama o nosso here: --Oh! _c'est charmant!_
_Mignone_, vaes ser minha, assim t'o juro...
e agora ella est s! _c'est bien l'instant_.
E assim dizendo applica o _pince-nez_
e vae sentar-se ao lado da menina.
XV
Desculpe vossa excellencia,
mas eu creio que j a vi!
--Pde ser, responde a moa,
quasi sempre eu venho aqui...
--No foi aqui, foi ha um anno...
na crte, se no me engano,
n'um baile que eu a encontrei...
--Oh! gentes! est enganado,
se perguntar p'ra que lado
a crte fica, no sei!
--Era ento o seu retrato
divinamente imitado...
os mesmos olhos divinos!
o mesmo rosto adorado!...
--Oh! senhor, parece incrivel!
deveras ser possivel
to pasmosa semelhana?!
--Oh! natura eterna e infinda!
nunca vi mulher to linda!...
--Eu sou linda? que esperana!
--Ento no vio Guanabara
da metrop'le no regao,
sonhando loucos edyllios
co'os olhos fitos no espao?!
--No senhor! se eu no conheo!
--Escuta, diva, eu te peo:
sou talvez um sonhador...
--Oh! moo, mal comparando,
quando o senhor est fallando
parece-me um pregador!
--Serei tudo, casta diva,
innocente Julieta!
tu'alma exhala o perfume
da modesta violeta!...
--_U_! que moo engraado!
j deu-me o nome trocado...
eu me chamo Margarida.
--Margarida? Oh! doce encanto!
teu nome to puro e santo
guardarei alm da vida!
Escuta, sylpho do empirio,
dos cus aerea viso,
no sentes do amor as lavas
que arroja o meu corao?
partamos, alm na selva
sobre um tapete de relva,
pousemos o floreo ninho!
partamos, a noite densa...
-- moo, eu peo licena,
eu vou fallar com dindinho!
--_Comment cel!_ no me deixes
com tua ausencia obumbrado!
queres tu que um cenotaphio
erga a um amor desgraado?
--Oh! _seu_ aquelle, me deixa!
seno eu vou fazer queixa
a meu pai, largue meu brao!..
--No partas, anjo bemdito...
--Eu sou grossa p'ra palito...
--Ao menos d-me um abrao!...
XVI
Tal como ao terminar-se da espoleta
o mixto que de um jacto a carga inflamma,
e no rouco troar detona a bomba
cuspindo os estilhaos, fumo e chamma,
assim do meu leo, na face na,
por mo callosa e firme manejada,
a bomba do ciume arrebentara
e com ella uma tremenda bofetada!
Zumbiram-lhe aos ouvidos mil besouros,
myriades de estrellas viu ento;
sahiram-lhe faiscas pelos olhos,
perdera o equilibrio, e... foi ao cho!
De p, em frente a elle estava um homem,
raivoso como tigre olhando a preza;
nos olhos faiscava-lhe o ciume,
nos labios um sorrir de atroz dureza!
Pedro, que no seu amor selvagem
no pde reflectir, sabe vingar;
feriam-lhe de morte as crenas d'alma,
e o tigre que ferido quer matar.
XVII
--Pedro! Pedro! ento que isto?!
valha-me Nossa Senhora!
--Margarida, vae-te embora,
tu no me queiras perder!
--Pelo que tens mais sagrado,
deixa esse moo, coitado!
que mais lhe queres fazer?!...
--Quero mostrar a um patife
como se falla a uma moa;
elles pensam que na roa
como l na cidade?!
Esto enganados comigo!...
E com o joelho no umbigo
dava-lhe scco vontade!
--Soccorro! gritava a moa
quazi louca de terror;
meu pai, accuda o senhor,
porque elles se vo matar!...
meu Pedro, no sejas louco,
olha, escuta, espera um pouco;
meu Deus! quem ha-de apartar?
--Sahe-te d'aqui co'os diabos!
no me atormente a cabea,
puche j, no me aborrea...
voc pensa que me embaa?
tambem teu namorado?
ha de amargar um bocado,
hei de tirar-lhe a fumaa...
--Repare que minha filha;
escutou, _seu_ malcriado?
sou velho, estou alquebrado,
mas ninguem me offende em vo!
sei tolerar n'essa idade
loucuras da mocidade;
mas insultal-a, isso no!
Margarida muito honesta!
no l quem voc pensa!...
acho bom que se convena
que ella tem alguem por si!
Vem-te embora, minha filha,
o homem, que assim te humilha,
mais que indigno de ti.
XVIII
Chegara emfim Medeiros e contenda,
poz termo com palavras convincentes;
do cho suspende o pobre Lovelace,
separa os dois mancebos imprudentes.
--Levando pelo brao o seu Juquinha,
com elle vae p'r'a sala de jantar
e pde ver luz, banhado em sangue,
o triste _petit-maitre_ a soluar!
O rosto lhe lavaram com cachaa,
ficando para todos bem patente,
que os beios, o nariz e o olho esquerdo,
mais gordos lhe ficaram de repente.
Depois tinha cansao, foi p'ra um quarto
que dava uma janella p'ra o jardim,
despio-se, tomou banho, foi deitar-se...
dormio? no sei dizer, creio que sim.
A festa terminou neste incidente
e cada um tratou de se ir deitar:
a lua ia bem alta alm no ceu,
e o gallo amiudava o seu cantar.
XIX
Dona Olympia ouve um gemido
partir de seus aposentos;
chegou-se porta de manso
prestando ouvidos attentos...
Era a pobre Margarida
que entre soluos sem fim,
co'o rosto nas mos occulto,
chorava dizendo assim:
XX
Pelas chagas de teu filho,
pelas dres que soffreu,
pelo pranto que verteste
quando na cruz te morreu,
valei-me, Nossa Senhora,
nesta dr que sinto agora!
Inda a pouco era ditosa,
tinha amor, tinha esperana,
de um momento de tristeza
no tenho a menor lembrana!
eu sorria ao ver-me assim;
meu sorrir j teve fim...
De tudo quanto j tive
que mais me resta? mais nada!
quiz provar-lhe o meu affecto
e fui vilmente insultada!
Ai, Pedro! que me mataste
quando assim me injuriaste!
Agora que mais espero?
que esp'rana mais posso ter?
venha a morte e venha breve,
que sou feliz se morrer!
Que Deus lhe pague em prazer
o quanto me fez soffrer.
XXI
Dona Olympia entreabrio de manso a porta,
e sem bulha chegou-se junto a ella,
tomou-lhe as mos nas suas, vio-lhe o pranto,
beijou a meiga face da donzella...
XXII
--Que isto, minha louquinha?
quem que falla em morrer?!
viste um espinho na vida
e j te cana o viver!
Nas tuas suppostas dres
s recordas-te os amores,
mas esqueceste teu pai!...
Margarida, s muito ingrata!...
queres matal-o?... pois mata!
vae pedir a morte, vae!
Ao pobre e canado velho
que vive do teu carinho,
em vez de beijos e abraos,
crava-lhe n'alma um espinho!
Arrufos de um namorado
valem mais que um velho honrado?!
Pensas bem, minha afilhada!..
vaes morrer? no te demores!
mas o que isto? no chores!
que vale um pai?... quasi nada!
--Misericordia, madrinha!
no falle assim que enlouqueo!
meu Deus! qual foi o meu crime
que tal castigo mereo?!
--Teu crime no ter juizo....
e sabes o que preciso?
: pedir a Deus perdo.
Limpa esses olhos, menina!
a gente assim se amofina;
tu choras sem ter raso!
--Mas elle est mal commigo
e meu pai nem o quer ver!
--Cala a boca, te prometto
que tudo se ha-de fazer.
Socega, filha: descana,
se ainda tens confiana
na tua velha madrinha!
Amanh em santa paz
tudo se arranja e se faz;
vae dormir, minha louquinha?
XXIII
Margarida radiante da alegria
que sentia renascer no corao,
abraava com transporte aquella amiga
e cobria de mil beijos sua mo.
CANTO SEGUNDO
I
Oh tu quem quer que sejas, meu leitor,
attende ao que te digo: a ti o auctor
comea por te dar os parabens
da somma de pachorra que tu tens,
se leste esse arremedo de poesia
sem arte, sal, perfumes e harmonia,
que p'ra ahi rabisquei sem tom nem som.
J vejo que s rapaz prudente e bom...
desculpa o tratamento... as etiquetas
exigem luva branca e roupas pretas;
mas isto muito bom p'ra deputados,
que vivem simplesmente de apoiados
e gastam excellencia a tres por dois...
coitados! so mal pagos... e depois
sujeitos a caprichos de ministros....
s vezes trazem rostos to sinistros,
que chego a ter de vras compaixo...
Mas dizem que so filhos da eleio?!
a culpa ento da mi que os deu luz,
que tinha atraz da porta aquella cruz,
envolta n'um programma e mil projectos
p'ra os hombros dos filhotes mais dilectos!...
S franco, meu leitor, se estou massando,
arrlho a discusso e vou tratando
do resto d'esta historia que encetei...
Palavra, que no sei onde fiquei...
Mas... eu te escrevo em mangas de camisa;
no olhes p'ra o meu trage... quem precisa
pendura com cuidado o paletot,
depois de sacudir-lhe bem o p,
e fica assim fresca muito bem.
Quem poupa, meu amigo, sempre tem!
no achas que verdade, magano?
pois folgo com a tua opinio.
As cousas andam ms, tudo est caro!
o cobre, santo Deus! anda to raro!...
ao menos l por casa uma desgraa!
por mais que se trabalhe ou que se faa,
por mais que se amofine uma pessoa,
vem sempre a dar na mesma, sempre ta,
Fallemos n'outra cousa, as digresses
arredam sempre o fio s discusses.
Entremos na materia francamente,
vejamos o que feito desta gente.
II
O dia amanheceu bastante frio.
No cho, sobre os sofs e nas cadeiras
dormiam somno solto os convidados,
em duzias de colches e mil esteiras.
O nosso fazendeiro acordou cdo,
e poz as cosinheiras logo em p;
sentou-se na varanda lendo as folhas
espera que trouxessem-lhe o caf.
III
--Ora bom dia, _seu_ Pedro!
--Bom dia, Sr. Medeiros!
--Ainda o fazia dormindo
e vejo que dos primeiros!...
Ento estranhou a cama?
passou mal, no verdade?
--No, senhor! pelo contrario,
perfeitamente vontade.
--Li agora na _Gazeta_
um facto bem curioso!
um sujeito, um estrangeiro...
mas que homem ardiloso!
Engole uma espada inteira!
que barriga! Ave Maria!
--Mas serio?--Oh! se o no fosse
a folha no o diria...
O que isto?! onde se atira
j de esporas? onde vai?!
--Vou... eu ia at l embaixo.
--No, senhor, hoje, no sahe.
--Mas escute, _seu_ Medeiros...
--No escuto, no senhor;
j queria pr-se ao fresco?
enganou-se, meu amor!
homem, 'stou te estranhando!
voc que to pagodeiro!
--Eu ia vr se l embaixo
recebia hoje dinheiro...
--Qual dinheiro, qual historia!
eu bem sei o que isto !...
Sabes que mais, pucha um banco
e vamos tomar caf.
--J que de todo preciso
vou lhe fallar francamente...
--Pois desembucha, rapaz,
fallando se entende a gente.
IV
--O senhor bem me conhece...
no sou homem de questes,
nem ando brigando ta
por qualquer duas razes;
mas hontem foi desaforo!
o sujeito de namoro
co'a minha noiva, e eu ali!
isto no fazer pouco?...
parti cgo como um louco...
nem sei bem o que senti...
Eu vinha de orelha em p
ouvindo o palavreado!
no sei o que... de epitaphios...
e d'ahi por um bocado,
agarrou-lhe por um brao
e quiz lhe dar um abrao,
no momento em que cheguei!
fiquei damnado da vida!
e co'a cabea perdida,
por milagre o no matei!...
Depois... no ouvi mais nada...
todo este povo a gritar...
ouvi o senhor fallando,
quando nos veio apartar...
mas estou incommodado
do negocio se ter dado
n'uma casa que eu respeito...
em outro qualquer logar,
no me importava brigar
at um ficar desfeito!...
--Tudo isso nada vale!
no penses nisto, rapaz....
so cousas que a gente moa
mais ou menos sempre faz.
--No, senhor, eu bem conheo
que isto mu; mas o que peo
que queira perdoar...
s vezes l vem um dia...
e a gente est de _arrelia_,
no se pde dominar...
--Vamos fallar de outra cousa,
isto pura crianada...
que fizeste Margarida?!
--Quando?--Hontem!--No fiz nada!
--Pois olha, metteu-me pena
vr a pobre da pequena
chorando, no sei porque...
--Ella chorou? mas que tinha?
--No sei, fallou co'a madrinha
e a respeito de voc.
--A meu respeito?! e que disse?!
--Como j estavas zangado,
disseste-lhe alguma cousa...
e te excedeste um bocado...
--Eu, meu Deus?! ainda mais esta!
vejam s que ba festa!
que S. Joo tenho eu!...
e tudo, veja o senhor,
por causa desse impostor,
desse barbas de judeu!
uma nuvem passageira...
no te d isso cuidado;
vocs fazem logo as pazes
e est o negocio acabado.
Falla tambem co'o Simo...
o velhote tem razo
de estar massado comtigo...
foste offender ao coitado,
que ficou bem magoado;
mas o velho teu amigo.
V
Vinha chegando alguem e esta conversa
ficou neste logar interrompida;
vo pouco a pouco erguendo-se as visitas,
renova-se o prazer, renasce a vida.
Estava tudo em p; porm o Juca?
estava ainda no quarto, ainda dormia?
-- senhor! vo acordal-o, j tarde
e basta de dormir: meio dia.
A mesa estava posta, e o fazendeiro,
que o no vira des que o dia amanheceu,
abre a porta e s encontra sobre a mesa
uma carta p'ra si, que abriu e leu:
VI
_Meu caro Sr. Medeiros:
vou p'ra crte no trem mixto
que sahe d'aqui a uma hora.
Desculpe, se fao isto
sem lhe ter agradecido
o seu bom acolhimento;
mas pode estar convencido
de que no meu corao,
p'ra com vossa senhoria
fica eterna gratido.
Se fr crte algum dia
contar-lhe-hei como foi
a questo. No tive a culpa;
o que lhe peo desculpa
pelo modo desairoso,
porque saio da fazenda.
Vou bem triste e pesaroso
por causa d'essa contenda,
que no julguei provocar.
So horas de me ir embora...
recommende-me senhora
de quem parto penhorado.
Adeus, aceite um abrao
do seu amigo e criado...
JOS DE SOUZA CABAO._
VII
Medeiros releu a carta,
dobrou-a, poz na algibeira
e disse com seus botes:
--Ora ahi tem a brincadeira!
Um ficou todo mordido!
o outro--todo esfolado!...
qualquer dos dois, de juizo
no tem sequer um bocado!
Que dois malucos de fora!
valha-me a Virgem e o Christo!
qual dos dois ter razo?...
e sahio pensando nisto.
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VIII
E os donos da casa empenhados
em fazer a reconciliao
conversavam co'os noivos e o velho,
num cantinho do grande salo.
Houve protestos, desculpas,
suspiros, explicaes;
e afinal l se entenderam
com muito boas razes...
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IX
--Vamos p'ra mesa, senhores,
que o almoo est esfriando!
deixemos as ceremonias!
cada um v se sentando.
Falta aqui um guardanapo...
Olympia, manda buscar...
quem quer leito recheiado
levante um dedo p'ra o ar.
X
Senhores, disse o bom Joaquim Medeiros,
(e tudo se callou para escutar)
eu tenho uma noticia de importancia,
que quero a todos vs communicar.
Ali minha afilhada Margarida,
se bem que me escondesse agora o rosto,
vae com Pedro, o patusco, felizardo!
casar-se p'ra meado ou fins de agosto.
E como eu sou padrinho do casorio,
que ha de effectuar-se na fazenda,
convido a todos vs para assistirdes
ao n que no tem pontas, nem se emenda.
E aqui o _seu_ vigario, que de casa,
aprompta a papellada n'um momento,
e ha de me amarrar estes pombinhos
benzendo-lhes os anneis do casamento.
Bebamos, pois, dos noivos saude!
Senhores, a saude feita em p!
Hurrah! ip! ip! hurrah! vivam os noivos!
a coisa de virar, ip! bangu!
XI
Simo ergueu-se a custo, e commovido
fallou desta maneira aos assistentes:
--Senhores, quando a alegria
nos afoga o corao,
no ha palavras que a digam,
falta-nos toda a expresso!
Choramos quando soffremos,
quando gosamos, sorrimos,
mas o riso no exprime
o que n'alma ns sentimos.
Assim 'stou eu; bem quizera
dizer-vos neste momento
tudo, tudo quanto sinto,
qual o meu contentamento,
mas no posso, porque tanta
a minha felicidade,
que mais me parece um sonho,
que pura realidade!
E sabeis a quem a devo?
a quem posso agradecer?
quem que em duas palavras
me embriaga de prazer?!
aqui a mi dos pobres
e o meu compadre Medeiros!
este grande corao!
a nata dos fazendeiros!
saude, pois, d'aquelles
que no tem ostentao,
quando afogam na alegria
um mirrado corrao!
E todos gritavam co'os copos erguidos
dos donos da casa, bebendo saude:
Que Deus lhes d vida, que Deus os conserve
p'ra auxilio dos pobres, p'ra amparo virtude.
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Passados oito dias de prazer,
oito dias de festa e de alegria,
vo indo pouco a pouco os convidados
saudosos, p'ra o lidar de cada dia.
CANTO TERCEIRO
I
Os peralvilhos da crte,
ou cidades principaes,
todos querem ser poetas,
todos fazem madrigaes
quando esto apaixonados.
Em versos estropiados,
alguns que tem legoa e tanto,
a pobre da musa sa,
suspirando luz da lua
em cada suspiro um canto!
Aquelles que nem a tiro
se lhes abre a cachimonia,
assignam versos roubados
com toda a sem ceremonia!
No fazem questo de auctor...
querem provar seu amor
deidade que os inspira?
l vo direitos estante,
e d'ali por um instante
geme e canta a alheia lyra.
So estes os commodistas
e os que tem mais razo...
p'ra que quebrar-se a cabea
se ha versos em profuso?!
obra feita, verdade:
mas escolhe-se vontade
onde ha tanto p'ra escolher...
l vai a amostra do panno
que um typo fez por engano,
por no ter tempo a perder:
II
Oh! virgem pura de meus sonhos lindos,
lyrio mimoso dos jardins dos cus!
escuta o bardo descantando amores
louco, inspirado nesses olhos teus!
Escuta as notas que desprende a lyra
embevecida neste amor sublime;
nestes accordes, muito embora rudes,
s a verdade o meu cantar exprime.
Tu s a fonte inexhaurivel, pura,
onde a minh'alma vae a f beber,
symbolo da crena, de esperanas fco,
livro sagrado que me ensina a crr.
Tu s a gota matinal do orvalho
na rubra pet'la de uma flr lou,
limpido espelho de virtude e graa,
estrella d'alva em festival manh.
Tenra avesinha que em gorgeios ternos
a Deus envia o suspiroso canto,
viso etherea do sonhar do bardo,
miragem bella de sublime encanto.
Tu s a lympha, que em ramaes de prata,
borda a campina marchetada em flres,
iris formoso da bonana emblema,
casto sacrario de gentis amores.
s tudo, tudo quanto grande e santo,
astro fulgente de brilhante luz!
Anjo da Guarda que atravez d'espinhos
meus tibios passos ao porvir conduz.
III
Na roa no se usa disto,
quem faz cerco a um corao
improvisa as suas quadras
com a viola na mo.
E na prima e na segunda
faz um tal repenicado,
que a pequena fica tonta
quebrando o sapateado.
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Quem procura a paz do espirito,
quem busca a felicidade,
ha de encontral-a na roa,
raras vezes na cidade.
Ali a vida mais calma;
a mudez da solido,
como um balsamo santo
s dores do corao.
A doce tranquillidade,
que se desfructa no lar,
illumina aquellas almas
de uma luz crepuscular.
Na festa ha mais alegria...
ha no trato amenidade;
o homem da roa o typo
da honra e da honestidade.
Se acaso lhes bate porta
um estranho, um forasteiro,
tem agasalho e amizade
desse povo hospitaleiro.
Sob uma crosta grosseira
se encontra a sinceridade,
e mais que ninguem conhece
as leis da hospitalidade.
Mas se lhes offendem os brios
sabem affrontas vingar,
que o homem rude do campo
no pde insultos tragar.
IV
Chegara em fim o dia suspirado
daquellas duas almas, que se amavam:
em breve vo-se unir p'ra todo o sempre
no lao por que a tanto suspiravam!
Nos meigos olhos della ha mil affectos...
as faces se lhe tingem de rubor,
e os labios entreabertos cr de rosa
parecem repetir:--ventura, amor!
No rosto do mancebo ha um que de vago
e certa commoo mal disfarada!
que tal a ventura que o espera
que duvida vel-a emfim realisada!
V
--Escuta, minha afilhada,
tu hoje vaes te casar...
o passo mais delicado
que uma mulher pde dar.
A partir desse momento,
do nosso procedimento
depende todo o futuro.
Escuta toda a verdade,
se queres a f'licidade,
este caminho seguro.
No dia do casamento
tudo cheio de illuses!...
julgamos tocar ao termo
das nossas aspiraes.
Mezes depois, vamos vendo
que j vo arrefecendo
nossos sonhos virginaes;
passada a illuso primeira,
a mulher a companheira,
uma amiga, e nada mais.
Ento preciso emprego
de toda a nossa prudencia,
e ter p'ra com o marido
a maior condescendencia.
Se chega em casa cansado,
dar-lhe carinhos e agrado,
no perguntar de onde vem;
elle mesmo ir dizendo
o que andou por l fazendo,
ou se esteve com alguem.
Nunca sejas ciumenta,
nem lh'o ds a conhecer!
o ciume, alm de inutil,
nos envenena o viver.
S sempre condescendente...
no te mostres exigente
nem lhe peas sacrificios:
um pedido caprichoso,
para um marido extremoso,
um dos grandes supplicios.
Sempre affavel, carinhosa,
sempre modesta e asseiada...
eis aqui como procede
a mulher bem educada.
Algumas, infelizmente,
ignoram completamente
estas verdades, e ento
dizem que so desgraadas;
mas so ellas as culpadas,
falta de educao.
Quando em casa no encontram
meiguices, consolaes,
os maridos se aborrecem,
vo procurar distraces...
e uma vez encetado
esse trilho to errado,
um martyrio esse viver!
Deus te livre, Margarida!
a ter semelhante vida,
melhor te fra morrer!
Eis aqui os meus conselhos
que sempre tenho seguido;
e de cumpril-os risca
no me tenho arrependido.
Desde criana a meu lado,
has de ter observado
como trato teu padrinho;
e tenho sido estimada...
se queres ser adorada
faze o mesmo ao teu Pedrinho.
VI
Adornada a capricho p'ra este dia,
da fazenda a pequena capellinha
estava que era um mimo de bom gosto,
to faceira! to bem arranjadinha!
Sanefas de setim verde e amarello,
nas paredes damasco alaranjado,
alampadas de prata, quatro lustres,
e um soberbo tapete avelludado.
O todo era singelo, doce e grave,
incitava no sei que ao corao!
noss'alma sem querer a Deus se erguia
nesse encanto mental de uma orao.
L fra repicava alegre o sino...
festes, arcos e flres no terreiro,
convidados, amigos e parentes,
e sempre satisfeito o fazendeiro.
VII
So horas, tudo est prompto;
todos seguem p'ra capella.
Na frente caminha ella
pelo brao da madrinha;
logo atraz Pedro, Simo,
Medeiros, uma sobrinha
do vigario, e a multido
que caminha alegremente
em ruidosa confuso.
Era um quadro interessante
de belleza original
o que eu vi naquelle instante:
cabeas brancas de neve,
rostos graves enrugados
pendidos p'ra sepultura,
a par de frontes divinas,
de olhos meigos namorados
derramando mocidade!
Oh! como bella essa idade
em que tudo s prazer!
em que a existencia um sorriso,
em que o amor um paraiso,
em que o sonhar viver!
O grupo entrou na capella
ajoelhou-se, benzeu-se,
resou e depois ergueu-se
e cochichava em segredo;
mas callou-se de repente
quando o padre appareceu.
Margarida estremeceu
e disse machinalmente:
Agora vou ser feliz.
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Estava emfim realisado
aquelle sonho dourado
de su'alma casta e pura!
a embriaguez da ventura
tornava-a mais que divina!
aquellas faces rosadas
levemente afogueadas
de prazer e commoo,
traziam-lhe tal encanto,
que eu creio que at um santo
succumbia tentao!
Era finda a ceremonia.
Pedro, qu'inda no fallara,
por pouco no desmaiara
nos braos do fazendeiro,
fulminado de alegria!
e no sorriso nervoso
que d'alma aos labios lhe vinha,
quem que no traduzia
o que n'alma o pobre tinha?
Passados alguns momentos,
j depois dos comprimentos
de todos que os rodeavam,
sahiram de braos dados
sob uma chuva de flres
que em cima lhe despejavam
porfia, os convidados.
Chegados todos casa,
Simo e Pedro de um lado
meia voz conversavam.
Dizia o velho alquebrado:
Nesta filha que te entrego,
dou-te tudo quanto tenho,
dou-te os olhos, fico cgo,
mas risonho e satisfeito...
eu j estava to affeito
que no sei como sem elles
eu possa agora viver!...
ella era o sol bemfazejo
ao qual eu me ia aquecer;
porm fico descansado,
porque em ti achou arrimo....
eu somente o que lastimo
ser velho e no ter nada,
no p'ra mim que no preciso,
era por ella, coitada!
que um anjo como tu sabes.
Olha, Pedro, eu s te peo,
se alguma cousa mereo,
que trates bem minha filha!
minha pobre Margarida!
Ella ha de adoar-te a vida
porque muito carinhosa,
e como foi boa filha
deve ser tambem esposa.
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E em quanto o velho fallava
da filha por quem vivia,
dos olhos se lhe escapava
uma baga que rolava
e na barba se escondia.
VIII
--Forma a roda! oh! _seu_ Casusa
no fuja, vamos brincar;
v decidir na viola
para este povo danar.
--Qual o que! o _seu_ Manduca
_cabra_ bom tocador,
e eu no vou tirar a espada
da mo de um tal jogador.
--Vamos ento ver os dois
no desafio pegados...
Forma roda! forma roda!
quero ouvir esses damnados.
IX
E emquanto sapateavam,
os dois assim descantavam:
--Meu senhor, me d licena
que eu quero principiar:
quero botar uma trova
para quem me faz penar.
--Pde entrar que o matto limpo,
no tem ona, nem queixado,
tem somente uma morena
por quem ando apaixonado.
--Obrigado, companheiro,
Deus te ajude nos amores;
mas quem gosta das morenas
soffre penas, sente dres.
--Eu bem sei de quem tu gostas,
p'ra ella podes cantar;
clara, tem olhos pretos,
olhos que te ho de matar.
--Na barra do teu vestido
anda preso um corao,
menina, minha menina,
da minha venerao.
--O sip do matto virgem
amarra o jacarand;
assim, morena, em teus olhos
ando eu bem preso j.
--Fui ao matto cortar lenha
e encontrei a jurity,
ella tinha os seus amores
como os eu tenho por ti.
--Larangeira pau d'espinho,
carangueijo anda na praia,
tambem andam meus amores
na renda de tua saia.
--Os teus olhos so de fogo,
tua boca uma roseira,
menina, minha menina,
quem te fez to feiticeira?
--Cachorro ladra na cerca
quando vem algum ladro,
assim ladra no meu peito
por te ver meu corao.
--Menina, minha menina,
se me no queres matar,
d-me um riso pequenino,
que eu sou bom de contentar.
--No brao tenho talento,
tenho prata na goiaca,
p'ra quem duvidar, comigo
na cintura trago a faca.
--Voc me botou olhado,
voc mesmo ha-de tirar,
e eu s posso ficar bom
quando comtigo casar.
-- senhor dono da casa,
mande vir alguma cousa;
j est co'a guella secca
o Manduca Z de Souza.
--Sem leito no ha pagode,
sem bebida violeiros;
o Casusa est com sde,
mande vir, Sr. Medeiros.
X
--Muito bem, muito bem! gritaram todos,
qualquer dos dois um tebas p'ra cantar,
e dansam que faz gosto e mette inveja
a quem os v n'um samba a requebrar.
--Vocs que tomam? vinho ou paraty?
--Eu c j tomei vinho e no misturo...
--E dois.--Pois aqui tem, ataquem deste,
que bom, de patente, vinho puro.
Depois de beberem voltaram p'ra roda
ao som da viola, tocando e cantando,
ao longe se ouvia o tinir das chilenas,
as palmas cadentes dos moos dansando.
XI
A noiva estava com somno....
o noivo.... no sei se o tinha,
mas estava assim com cara
onde logo se advinha....
vontade de se ir deitar.
A madrinha, disfarando,
para o quarto do noivado
foi com ella, onde ajudou-lhe
a tirar o vo bordado
e a grinalda virginal.
Desapertou-lhe o vestido
e em saia branca a deixou....
baixinho deu-lhe conselhos,
depois a porta cerrou
deixando-a ficar sosinha.
De repente ouviu-se um grito!
era a voz de Margarida,
e um toque de campainhas,
que prolongou-se em seguida,
indicava o quarto della.
Todos correm pressurosos,
perguntam: Que aconteceu?
Dona Olympia mais ligeira
do que todos, l correu,
fechou a porta, e que viu?!
Viu na cama semeados
carrapichos aos milhes!
alfinetes espetados!
e por baixo dos colches
campainhas penduradas!
E a pobre da menina
que se foi sentar na beira...
espetou-se no sei onde,
nem como, de que maneira
fez dobrar o carrilho.
No pde dormir na cama!
foi p'ra o quarto da madrinha.
O noivo tremeu com frio,
a noiva ficou sosinha
scismando.... nos carrapichos.
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Percebes, meu leitor, que eu no desejo
entrar n'alguns detalhes melindrosos;
respeito o sanctuario da familia
e deixo a indagao aos curiosos.
XII
Um anno j se passou
Depois que vi estas scenas,
mas inda tenho saudades
d'aquellas boas pequenas.
Ha tres dias, por acaso,
n'um bond do Pedregulho
encontrei o _seu_ Medeiros
que levava um grande embrulho.
--Como vai? me disse elle,
homem, no apparece!
pois olhe, todo o meu povo
do senhor nunca se esquece.
J soube que a Margarida
teve um filho o mez passado?
--No, senhor!--Pois verdade!
e p'ra o mez o baptizado!
No falte e leve os amigos,
porque temos brincadeira;
vim crte s para isto,
e ando assim desta maneira!
E apontou-me o embrulho
que mettera sob o banco,
e nisto o maldito bond
deu um enorme solavanco.
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Leitor, se lste attento estes meus versos,
que s bom, condescendente e meu amigo.
Has-de ir pagodear l na fazenda,
eu posso convidar-te: vais comigo.